
Há tempos afirmo que a relação do agronegócio brasileiro com o mundo é bipolar, ao mesmo tempo envolve amor e ódio. Amor, porque as lideranças esclarecidas do mundo sabem que o Brasil tem potencial para atender à crescente demanda global de produtos agrícolas; ódio, porque nossa competitividade natural desloca competidores do mercado. E ninguém gosta de ter seu market share diminuído, sejam agricultores, empresas ou governos.
Em meros 50 anos o Brasil transmutou-se de importador para o maior exportador líquido de produtos agrícolas. E caminha, celeremente, para ser o maior produtor e exportador, em pouco mais de uma década, postas as suas vantagens comparativas com outros concorrentes. Isso se o mercado fosse totalmente liberado, fruto da competividade de cada país. Aí está o busílis da questão, que explica muitos dos movimentos na atual geopolítica do agronegócio, que acaba afetando outros setores da economia.
Para quem o Brasil exporta
Estima-se que os produtos brasileiros estejam sendo exportados para cerca de 200 países do mundo, ou seja, quase a totalidade do planeta. A tabela abaixo mostra o percentual exportado para cada país em 2023, quando o agronegócio arrecadou US$166 bilhões em exportações:
Percentual do valor exportado pelo Brasil em produtos agropecuários
China |
EU |
EUA |
Japão |
Indonésia |
Vietnam |
36,3 |
13,0 |
5,9 |
2,5 |
2,2 |
2,1 |
Argentina |
Coreia do Sul |
Tailândia |
México |
Outros |
|
2,1 |
2,0 |
1,9 |
1,8 |
30,2 |
A China é o grande parceiro comercial do momento. Mas, compreensivelmente, a China não se sente nada confortável com a crescente dependência de produtos agrícolas brasileiros e busca alternativas para diminui-la. Analisamos o tema em /colunistas/interdependencia-comercial-entre-brasil-e-china_474908.html.
Mas não é apenas a China que está incomodada com a agressividade comercial brasileira. A União Europeia também torce o nariz para a expansão do Brasil no mercado internacional.
E essa é uma das principais razões dos protestos dos agricultores europeus, que se movimentam desde o último trimestre de 2023, para bloquear a do acordo Mercosul x União Europeia. Eles querem dificultar ao máximo as exportações de produtos agrícolas brasileiros, e dos demais países do Mercosul, para a Europa.
Do ponto de vista deles – agricultores europeus – estão absolutamente certos, eles não aguentariam cinco anos de competição direta com os produtores brasileiros, são muito menos competitivos, dependem de subsídios, operam com alto custo e baixa escala. O contrário ocorre com os produtores brasileiros, que teriam muito a se beneficiar com o acordo.
Por isso fiquei muito surpreso em verificar a circulação de mensagens nas redes sociais, com supostos apoios de agricultores brasileiros aos movimentos na Europa. Depreendo que esse apoio é falta de conhecimento das implicações do acordo para ambos os lados, razão fundamental para elaborar o presente texto.
O Acordo
Mercosul e União Europeia negociam o acordo comercial desde o final da década de 90, ou seja, ainda no século ado. Oxalá houvesse sido assinado no início do século XXI, quando o Brasil exportava menos da metade do volume atual de produtos agrícolas e não era percebido como uma ameaça para os agricultores europeus!
Embora o texto do acordo tenha sido finalizado pelos negociadores das partes em 2019, nos últimos anos tem sido submetido a revisões e exigências adicionais, por pressão dos agricultores europeus. Essa pressão se traduz não apenas em embaraço à finalização da negociação, mas em novas barreiras técnicas, como a lei antidesmatamento, a Deforestation Free Regulation, que simplesmente ignora que a legislação florestal brasileira é a mais severa do mundo, e que os produtores brasileiros investem, anualmente, alguns trilhões de reais para preservar as áreas de Reserva Legal e de Proteção Permanente. Uma contribuição ímpar dos agricultores brasileiros à agenda ambiental global.
Para os agricultores europeus não interessa quanto os colegas brasileiros preservam, eles não item qualquer tipo de desmatamento, mesmo o permitido por lei. Usam esse argumento como desculpa para dificultar o o de produtos agrícolas brasileiros ao mercado europeu. Se atendermos essa exigência, eles inventarão outra, porque a questão não é ambiental mas, sim, dificultar o o dos países do Mercosul ao mercado europeu. Por oportuno, em um noticiário de uma emissora de TV, vi uma placa portada por um agricultor francês, durante um protesto, que dizia: “As mesmas regras para todos”. Pois bem, queria ver como se dariam os agricultores europeus se tivessem que cumprir uma legislação florestal similar à brasileira...
Protestos
No final de 2023, na iminência da aprovação do acordo, os agricultores europeus foram às ruas para, entre outras demandas, pedir que o mesmo não fosse assinado. Conseguiram a adesão do presidente da França – o que faz sentido, ele está à cata de votos, está preocupado com a sua viabilidade eleitoral e não com o abastecimento de alimentos na Europa ou no Mundo. Estranha foi a posição do então candidato a presidente da Argentina, posicionando-se frontalmente contra o Mercosul (e o acordo), ou seja, prejudicando seus eleitores do agronegócio do vizinho país. Seu silêncio pós eleição e assunção ao cargo podem indicar que foi convencido que a Argentina só tem a perder com essa atitude.
Diferentemente da posição do governo brasileiro, que luta denodadamente pela aprovação do acordo. Afinal, o governo brasileiro precisa defender os interesses dos brasileiros – como o presidente francês defende os interesses dos ses. Diferente, também, da posição de lideranças do agro – como a CNA - a qual entende que o acordo beneficiaria agricultores brasileiros, ao prever a redução ou isenção de taxas de importação (https://agrolink-br.rsinforma.com/noticias/cna-debate-perspectivas-para-o-acordo-mercosul-uniao-europeia).
Um aumento da exportação brasileira para a União Europeia – como resultado do acordo - significaria reduzir a crescente dependência das importações chinesas, posto ser sempre um risco para qualquer negócio depender demais de um único comprador. Pela tabela acima, verifica-se que a China compra mais produtos agrícolas do Brasil que a soma de 180 países com os quais comercializamos!
A China nos adquire especialmente soja (US$40 bilhões) e carnes (US$8 bilhões). Já a União Europeia é mais diversificada e vai além do dueto soja-carnes, com produtos como frutas, açúcar, madeira e café.
Exemplo
Vamos a um exemplo concreto de um potencial benefício do acordo: O Brasil exporta US$ 3,7 bilhões por ano com as vendas de café para a UE. Para tanto, pagamos uma tarifa de 9% para exportar café solúvel (https://agrolink-br.rsinforma.com/index.php/noticias/com-acordo-mercosul-ue-cafe-brasileiro-pode-ampliar-presenca-no-exterior). Com o acordo, a tarifa seria eliminada. Com isso, teríamos melhores condições de competir com outros países – como a Colômbia – que já opera com tarifa zero. Não apenas a Colômbia, mas os membros da Comunidade Andina e países da América Central já exportam para a EU em condições tarifárias e normativas mais privilegiadas que o Brasil.
De minha parte, não tenho dúvidas de quão benéfico seria o acordo entre o Mercosul e a União Europeia para o agronegócio brasileiro. Entendo, perfeitamente, as razões que levam os agricultores europeus a posicionarem-se frontalmente contra o acordo – eles não aguentariam cinco anos de competição aberta com os brasileiros. Mas, não entendo o apoio que alguns agricultores brasileiros estariam conferindo, aos protestos dos europeus, a crer nas mensagens veiculadas nas redes sociais. Se é que foram realmente redigidas por agricultores!
Espero que esse texto ajude na reflexão de quem ganha e quem perde com o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.
O autor é Engenheiro Agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.